quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Como participar activamente na evolução do Desporto em Portugal, o DespUBI sabe!!

(O titulo é da inteira responsabilidade do editor desta rubrica)

                   - Entrega de Prémios Snowboard Urban Fest  (Ricardo Silva Presidente DespUBI)




Decorreu, nos dias 25, 26 e 27 de Janeiro, o Snowboard Urban Fest Covilhã 2013. O maior evento de desportos de inverno, realizado em Portugal, contou com diversos pontos de interesse, sendo a sua maior atracção a etapa do Campeonato da Europa de Snowboard Slopestyle.

A realização do Snowboard Urban Fest Covilhã, foi um dos mais ambiciosos e difíceis desafios que a actual equipa da Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDI-Portugal) abraçou. Num ano marcado pela recessão económica, recolher todos os apoios necessários à realização de um evento de nível internacional mostrou-se um trabalho difícil, que quase inviabilizou a execução do projecto. Contudo, devido ao enorme esforço conjunto de várias individualidades e entidades foi possível montar um evento de classe mundial em pleno Jardim do Lago, na Covilhã.

Para além do enorme apoio prestado pela Federação Internacional de Esqui, Instituto Português do Desporto e Juventude, Câmara Municipal da Covilhã e diversos patrocinadores, muitos foram aqueles que cederam o seu tempo e se esforçaram para tornar possível um dos maiores eventos desportivos da região centro do nosso País.

Gostaria de destacar a disponibilidade demonstrada pelo Departamento de Ciências do Desporto da Universidade da Beira Interior na cedência de equipamento desportivo e do enorme apoio prestado pelo Núcleo de Estudantes de Ciências do Desporto da Universidade da Beira Interior (DespUBI).

Graças ao DespUBI foi possível formar uma equipa com mais de 30 voluntários, que se demonstraram fundamentais na concretização deste ambicioso projecto. Apesar do frio e alguma chuva os voluntários mostraram-se incansáveis e colaboraram de forma exemplar com a organização do evento. Graças ao tremendo empenho da equipa de trabalho dos alunos de Ciências do Desporto foi possível, em pouco mais de 10 horas, transformar enormes montes de neve numa pista de snowboard de nível internacional.

Acredito que a realização deste tipo de eventos tem extrema importância, numa região onde o futebol praticamente monopoliza a oferta desportiva. Os diversos parceiros, a enorme cobertura mediática, a grande participação de snowboarders nacionais e internacionais e as mais de mais 10000 pessoas que assistiram ao vivo ao evento foram um excelente barómetro do sucesso do Snowboard Urban Fest Covilhã 2013.

Mas a importância deste tipo de eventos não se resume ao interesse mediático do evento. As vivencias experimentadas pelos intervenientes directos e indirectos são, sem margem para duvidas, uma das maiores mais-valias que ficam para a cidade, o País e para o próprio desporto.

Da parte da FDI-Portugal fica um enorme agradecimento e reconhecimento a todos os que tornaram possível a concretização do Snowboard Urban Fest Covilhã 2013.



Jaime Rendeiro
(Direcção da FDI-Portugal)

FEDERAÇÃO DE DESPORTOS DE INVERNO DE PORTUGAL, UPD
Rua Marquês d'Ávila e Bolama, nº 161 - 3º Piso Apartado 25 - 6201-909 Covilhã, Portugal
Tel. + 351 275 314 048 / Fax. + 351 275 314 048

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O que distingue o Barcelona das outras equipas de futebol?

Professor Dr. Bruno Travassos

Em desportos coletivos, os jogadores, dentro da estrutura colectiva da equipa, exploram dinamicamente o contexto no sentido de decidir quais as suas possibilidades de ação. Alguma investigação tem demonstrado que as melhores equipas em diferentes competições são as que conseguem obter longas sequências de passes, para obtenção de golo ou para manutenção da posse de bola.
Este processo relacional é baseado na capacidade que os indivíduos têm em detectar as suas possibilidades de acção (“affordances”), i.e., em escolher o melhor momento para passar a bola de acordo com o padrão dinâmico do posicionamento dos diferentes colegas e adversários. Deste modo, o portador da bola tem que percepcionar o espaço disponível entre os seus adversários, as distâncias entre eles, a velocidade com que se deslocam, assim como a direcção dos seus deslocamentos.
O processo adaptativo para o surgimento do passe é, deste modo função da identificação de “janelas de oportunidade” espácio-temporais. Esta relação exige que os jogadores consigam detectar a informação relevante do jogo (“estarem afinados”) e consigam que as suas acções sejam adaptadas às exigências que o contexto lhes coloca (“estarem calibrados”). A percepção de uma possibilidade para a realização do passe é, deste modo, influenciada pela identificação de variações nas relações estabelecidas com colegas e adversários. Tendo por base a relevância que o passe parece assumir para o desempenho das equipas, desenvolvemos um estudo onde procurámos identificar quais são as variáveis que influenciam o comportamento dos jogadores no surgimento de um passe. Para isso foram seleccionados 21 passes que ocorreram para o interior da estrutura defensiva, durante uma situação de treino no futsal.
Foram analisadas as distâncias entre o portador da bola e os dois defesas mais próximos, bem como as distâncias entre os dois defesas, desde o instante em que o jogador que irá realizar o passe recebe a bola, até ao instante em toca a bola para realizar o passe. Verificámos que para os 21 passes, existe uma convergência nas distâncias analisadas no momento da realização do passe. Este resultado sugere que o passe tende a surgir face à convergência das relações espácio-temporais entre jogadores para uma janela de oportunidade estável e não porque está definido numa circulação previamente treinada.
Os resultados obtidos demonstram que a decisão de passar em desportos colectivos é constrangida pelos padrões ambientais que surgem no decorrer do jogo através de “janelas de oportunidades”. Por exemplo, quando observamos a equipa do Barcelona a jogar ou a treinar, verificamos a procura constante destas “janelas de oportunidades” espácio-temporais quer através da alteração do posicionamento dos jogadores quer da variação da velocidade da bola. De uma forma muito simplificada, o apelidado “tike-taka” tem por base a procura constante de janelas espácio-temporais que permitam a circulação e progressão da bola no espaço de jogo. Para isso, é fundamental um comportamento pró-activo na exploração desses espaços por parte do portador da bola, mas também dos companheiros de equipa que procuram deslocar-se para um espaço que permita o surgimento da “janela de oportunidade” para o passe (vejam por exemplo, http://www.youtube.com/watch?v=lGuaQ1khn2k). A deteção das relações espácio-temporais entre colegas e adversários (“estarem afinados”), bem como a adaptação do passe (velocidade, direcção, precisão) às janelas de oportunidades percepcionadas são condições fundamentais do jogo.
No entanto, estes comportamentos não acontecem de forma espontânea. Para que eles aconteçam é necessário utilizar os exercícios que potenciem os comportamentos que se pretendem observar em campo. Para isso, mais do que repetir de forma descontextualizada ações de coordenação coletiva, devem utilizar-se exercícios que mantenham as mesmas informações e ações tal como acontece em jogo (ver e comparar com o vídeo anterior, http://www.youtube.com/watch?v=3RNfaIW5k1g).
O processo de treino deverá ter em consideração esta relação entre jogador-ambiente no sentido de promover a identificação de “janelas de oportunidades” próprias para cada jogador e situação. A utilização de jogos reduzidos que vão ao encontro do desempenho pretendido em jogo é fundamental. Nos jogos reduzidos, para potenciar as relações espácio-temporais poderão, numa fase inicial, utilizar-se situações de inferioridade/superioridade numérica, uma vez que permitem mais tempo e espaço para decidir dando mais opções a quem ataca. Em termos defensivos obriga a um maior equilíbrio na ocupação espacial, pois o espaço a ocupar e o posicionamento defensivo terá que ter em consideração as possibilidades de acção dos atacantes para alcançar o objectivo do jogo. Para potenciar a “afinação” perceptiva e a “calibração” dos jogadores é fundamental uma definição clara dos objectivos do jogo que direccione a sua atenção para a informação do jogo, i.e., constante variação das distâncias entre atacantes e defesas, deslocamentos, imprevisibilidade e opções de escolha.

Bruno Travassos
Universidade da Beira Interior, Departamento de Ciências do Desporto
Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano

domingo, 28 de outubro de 2012

Tecnodoping ou evolução tecnológica ao serviço do Desporto? (2)


Prof. Dr. Daniel Marinho





 Gostaria de começar este meu artigo de opinião, por saudar e dar os meus parabéns aos estudantes do Departamento de Ciências do Desporto por mais esta iniciativa. É com muito gosto que verifico o reinício deste projeto, que se espera contínuo e frutífero, não só para quem escreve os artigos, mas também para quem os lê, podendo ser um espaço de discussão e argumentação sobre temas relacionados com o fenómeno desportivo.

Face ao convite do Núcleo de Estudantes de Ciências do Desporto, com a condição de que o artigo estivesse relacionado com alguma modalidade ou evento desportivo, optei por abordar novamente o tema do Tecnodoping, reacendendo a discussão sobre a evolução tecnológica dos equipamentos desportivos e, até que ponto, estes podem adulterar os resultados desportivos. Esta discussão tem sido particularmente acentuada na Natação Pura Desportiva, pela (r)evolução e visibilidade que os novos fatos de alta tecnologia vieram trazer à prestação dos nadadores. Recordo que, em 2008, nos Jogos Olímpicos de Pequim, foram estabelecidos 25 recordes mundiais e, em 2009, nos Campeonatos do Mundo de Roma, foram estabelecidos 43 novas marcas mundiais, números até aqui impensáveis. Esta situação levou a FINA, em Janeiro de 2010, a alterar a regra que regulamenta a utilização dos fatos de banho, tendo condicionado quer o tamanho dos mesmos (para os homens não devem passar acima do umbigo ou abaixo do joelho, e para as mulheres não devem cobrir o pescoço, nem devem prolongar-se além do ombro e abaixo do joelho), quer os materiais de que são feitos (todos os fatos de banho devem ser feitos de matérias têxteis, sendo que materiais como o poliuretano devem ser excluídos). Esta foi uma decisão muito controversa, argumentando-se, por um lado, que estes fatos de alta tecnologia adulteravam o resultado desportivo (havendo mesmo a utilização da expressão “tecnodoping”), e, por outro, referindo que o desenvolvimento e utilização destes fatos não seria mais do que a evolução tecnológica ao serviço do desporto. Como anteriormente transmiti, apesar de compreender os argumentos que suportam cada uma das perspetivas em discussão, sempre me pareceu algo exagerado querer comparar a utilização destes fatos com o uso de substâncias dopantes, como a expressão “tecnodoping” pode fazer querer. Por um lado, nunca teremos nadadores a competirem em condições de igualdade, pois diferentes nadadores têm diferentes características morfológicas, diferentes condições de treino, diferentes meios de preparação, .... Por outro, sempre me pareceu difícil não fazer a analogia com o desenvolvimento tecnológico noutras modalidades (por exemplo, bicicletas no ciclismo, chuteiras no futebol, carroçaria dos automóveis na Fórmula 1), sendo inclusive de realçar e valorizar a iniciativa empresarial e a cooperação entre as empresas e as unidades/centros de investigação no desenvolvimento de todos estes produtos. Após a aplicação das novas regras em Janeiro de 2010, assistiu-se, tal como argumentado por muitos, a uma estagnação dos resultados desportivos, havendo mesmo quem denominasse os tempos estabelecidos pelos nadadores como “antes” e “depois” dos fatos de poliuretano. Contudo, embora sem o mediatismo de outros períodos em que os fatos de alta tecnologia eram permitidos, a natação continuou a evoluir, não só ao nível dos resultados, mas também, ironicamente, ao nível do desenvolvimento tecnológico. Ainda em 2010, Ryan Lochte, durante os Campeonatos do Mundo de Piscina Curta, tornou-se o primeiro nadador a estabelecer novos recordes mundiais em provas individuais, mostrando que os tempos obtidos com a utilização dos fatos de alta tecnologia não eram insuperáveis. No ano seguinte, durante os Campeonatos do Mundo, em Shangai, o mesmo nadador estabeleceu um novo recorde do mundo nos 200 m Estilos, acompanhado por Sun Yang, que estabeleceu a melhor marca mundial nos 1500 m Livres. E, no presente ano, durante os Jogos Olímpicos de Londres, foram estabelecidos 9 recordes do mundo, valor até acima dos 6 recordes mundiais estabelecidos nos Jogos Olímpicos de Atenas, o que parece demonstrar que a natação e a evolução desportiva dos nadadores está a voltar à normalidade, com outros fatores (como os métodos de treino e recuperação, e o conhecimento cada vez mais preciso dos fatores que influenciam o rendimento dos nadadores) a desempenharem um importante papel. Relativamente ao desenvolvimento tecnológico, a par das “novas” piscinas (com mais profundidade, com renovados blocos de partida e separadores de pista cada vez mais eficientes), assiste-se, nas mesmas empresas que desenvolverem os fatos de alta tecnologia, ao desenvolvimento de outros equipamentos, como as toucas e os óculos, com a utilização de procedimentos para melhorar a performance destes equipamentos em tudo semelhantes ao que ocorreu com os fatos de alto tecnologia. Embora estejamos convictos que dificilmente se atingirá uma evolução tecnológica com repercussões ao nível desportivo como a que assistimos com os tão badalados fatos, a aplicação de todo o conhecimento obtido com os fatos a outros equipamentos faz-nos ver que a indústria e as empresas que comercializam este tipo de equipamentos estão atentas e preparadas para intervir no campo desportivo. Neste sentido, podemos questionar-nos: será que num futuro próximo teremos novas alterações às regras, no que diz respeito aos equipamentos desportivos (por exemplo, touca e óculos), tal como aconteceu com os fatos?

 Daniel A. Marinho

Universidade da Beira Interior. Departamento de Ciências do Desporto.
Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A genética e a variabilidade inter-individual no desempenho desportivo

Ao longo de várias décadas, inúmeros investigadores reconheceram características fisiológicas importantes ao desempenho desportivo e descreveram a sua resposta típica ao treino. O relato desses dados normativos não é mais um desafio para as Ciências do Desporto. Não obstante a importância desse conhecimento, ainda subsiste de forma errónea o verdadeiro significado do valor médio dessas características. Na realidade ninguém corresponde à média; esse valor médio não é mais do que o resultado da análise de muitos indivíduos agrupados, usado como referência ou ponto de partida para a nossa intervenção. A média encobre a verdadeira extensão da variabilidade que podemos encontrar numa dada população de atletas se apresentarmos os valores individuais que estabelecem esse mesmo valor médio. Assim, este desvio padrão da variância é conhecido por variabilidade inter-individual.

Mas o que é que esse conceito de variabilidade associada ao desporto tem a ver como a genética? A resposta a essa questão reside na origem dessa mesma variabilidade. A variação de determinada característica (fenótipo), por exemplo o VO2máx, explica-se pela influência genética em combinação com factores ambientais de diversa ordem, contando ainda com o provável erro experimental associado ao registo do respectivo fenótipo. Existem fenótipos quase exclusivamente hereditários, como a cor dos olhos, mas temos outros que resultam da influência conjunta de factores genéticos com determinados contextos que são essenciais à expressão de determinado gene – p.e. o treino e a alimentação na melhoria da força muscular.
Concentrando a nossa atenção nos factores genéticos, sabemos da existência de cerca de 23000 genes comuns a todos nós. No entanto, o que diferencia o campeão olímpico de todos os outros está na ligeira variação da estrutura desses genes que afectam a sua funcionalidade e, por consequência, a manifestação de determinado fenótipo mensurável. Essa variação na sequência de nucleótidos, designada por polimorfismo, é o que os torna únicos (em parte) e diferentes de todos os outros. Cremos, sem qualquer dúvida, que será apenas possível o aparecimento de atletas de expressão física extraordinária em condições de rara convergência entre factores genéticos e ambientais.

O desafio actual é saber quais os genes determinantes, identificar as suas variações polimórficas e descrever por que mecanismos exercem os seus efeitos em determinado fenótipo. Uma abordagem comum estará no estudo de genes candidatos, que resulta do exame prévio da literatura científica disponível, sugerindo a importância de determinado sistema na regulação fisiológica de um dado fenótipo. Estuda-se, portanto, a relação entre a variante polimórfica do gene candidato e a magnitude consequente de um fenótipo particular.
O carácter batedor desta linha de investigação no âmbito das Ciências do Desporto oferece o potencial de facilitar novas descobertas, que alargarão o nosso conhecimento relativo a fisiologia do exercício e dos aspectos físio-patológicos decorrentes da sua prática. Adivinhamos, por isso, futuras aplicações resultantes e noções mais profundas dos mecanismos que controlam muitas das variáveis mais determinantes e estudadas no âmbito da performance desportiva.


Aldo M. Costa
Universidade da Beira Interior; CIDESD)
2009-11-26

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

OS LICENCIADOS E AS PROFISSIÕES DO DESPORTO

Actualmente existem em Portugal 25 cursos no Ensino Superior Público que formam Licenciados na área do Desporto. Desses, 9 são no ensino Universitário (em 7 instituições diferentes) e 16 são no ensino Politécnico (em 12 instituições diferentes).

Temos assim, e só no Ensino Superior Público, um total de 1075 vagas (todas preenchidas este ano lectivo mais uma vez, refira-se) para formar licenciados na área do Desporto (naturalmente prescindimos a referência aos dados do Ensino Superior Privado o que acrescentaria, julgamos, mais algumas centenas de vagas na área).

Em 30 de Março de 2009 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 248-A/2008, de 31 de Dezembro, (1ª série – n.º 252, disponível em http://dre.pt/pdf1sdip/2008/12/25203/0041200415.pdf) que estabelece o “regime de acesso e exercício da actividade de treinador de desporto”. Este diploma veio regular o acesso à profissão de treinador de desporto dispondo, de uma forma simplificada, que só pode exercer a referida profissão quem possuir uma “cédula de treinador de desporto” cuja obtenção passa a estar dependente do Instituto do Desporto de Portugal, sendo estas reguladas pelas Federações desportivas.

Tal significa que, para se poder ser treinador no desporto é necessária uma cédula que depende essencialmente das Federações desportivas, e serão estas a decidir que formações dadas nos cursos superiores permitirão ter equivalência à mesma (aos níveis iniciais, é claro). Estamos assim numa situação onde a experiência desportiva ou umas poucas dezenas de horas de “formação” resultarão numa qualificação superior a um licenciado que trabalhou e estudou mais de 4500 horas na respectiva área.

Este é apenas um exemplo mas poderíamos referir muitos outros na área do Desporto (como os ginásios, as autarquias, o turismo, a fisioterapia, a reabilitação, etc.) em como as licenciaturas em Desporto foram ultrapassadas. Deixaram-se ultrapassar por outras áreas que ocuparam um espaço deixado vago pelos especialistas em Desporto (ou supostos especialistas) ou ficaram até reféns de outras áreas e interesses.

Se não havia grande problema (ou assim se julgava) enquanto existiam muitas profissões da área e muitas vagas que podiam albergar as centenas de licenciados que todos os anos eram formados em Desporto no Ensino Superior, actualmente as implicações têm muito mais impacto.

Ser professor no Ensino da Básico e/ou Secundário é já praticamente impossível e assim continuará, previsivelmente, nos próximos anos (vão ainda existindo algumas vagas nas AEC’s no 1º Ciclo mas por pouco tempo…). No treino agora já não podem entrar, ou então ficam como auxiliares do “treinador à séria”. Na “animação desportiva” não são bem-vindos. Na fisioterapia ou reabilitação há anos que já nem se atrevem a tentar. As alternativas nos últimos anos estavam assim limitadas aos ginásios e clubes desportivos locais, mas sempre trabalhos muito mal remunerados (isto caso fossem remunerados…).

Estamos assim numa situação em que o desemprego dos licenciados em Desporto começa a aumentar significativamente e, pelo contrário, as ofertas na área continuam escassas ou inexistentes.

Este é, assim, um momento de crise em que é preciso agir, em que urge tomar decisões que mudem o rumo desta tendência. Fazer alguma coisa passa, certamente, por actuar ao nível da legislação. Mas passa também e fortemente por definirmos as competências de um licenciado, o conhecimento que deve dominar, as capacidades que deverá ter e, sobretudo, exercer. A mudança, se vamos de facto fazê-la, será feita já sobre uma crise existente. É como fazer a manutenção do navio quando a tempestade já estalou, não é claro a melhor altura, mas antes de irmos ao fundo ainda haverá possibilidades. Há mais de vinte anos que os avisos abundam, mas caíram, como se vê, em saco roto.

Mas também é possível continuar “na desportiva”, sem fazer nada, à espera do “milagre salvador”. Não nos podemos, é esquecer que não fazer nada é uma decisão como outra qualquer, também com consequências e implicações.

Covilhã, 22 de Novembro de 2009
António Vicente

Nota: Os dados apresentados são referentes ao ano lectivo em curso (2009/2010) e estão disponíveis em http://www.dges.mctes.pt/DGES/pt

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A importância da avaliação no processo de aprendizagem

Dadas as funções até recentemente assumidas de direcção de curso do 1º ciclo de estudos em ciências do Desporto da UBI, e preocupada com a optimização do processo de aprendizagem dos alunos, reflecti sobre o papel da avaliação na aprendizagem, ao nível do ensino universitário.
O ponto de partida para esta reflexão foi o trabalho do professor Anton Havnes, do Centre for Staff and Learning Development, Oslo University College, com o tema Examination and learning: An activity-theoretical analysis of the relationship between assessment and learning (pode ser consultado em http://www.leeds.ac.uk/educol/documents/00002238.htm).

Neste artigo o autor refere que os professores assumem que são as suas aulas e orientações pedagógicas que direccionam a aprendizagem dos alunos, mas de facto os alunos auto-orientam-se na aprendizagem relativamente aos aspectos sobre os quais vão ser avaliados. Assim, o que rege a aprendizagem é a avaliação, e não a “pedagogia” do professor.

No mesmo sentido, o Center for the Study of Higher Education (Austrália, endereço http://www.cshe.unimelb.edu.au/assessinglearning/05/index.html) reflecte sobre a diferente visão que a avaliação tem para os docentes e para os alunos, apresentado uma síntese na seguinte figura:


Assim, a avaliação tem de deixar de ser vista como uma ferramenta de controlo da aprendizagem (no sentido de avaliar o nível de aprendizagem dos conteúdos, por parte dos alunos), para passar a ser uma ferramenta pedagógica que melhora o próprio processo de aprendizagem.

A avaliação de conhecimentos no ensino universitário deve emergir das competências que os alunos devem adquirir, após o estudo de um determinado conteúdo curricular.
Essas competências devem ser claras para o estudante, que deve ter noção do que se espera dele, em termos da aprendizagem – deve compreender os resultados de aprendizagem esperados.

Assim, a avaliação de conhecimentos deve ter três objectivos base:
1. Orientar e motivar a aprendizagem, clarificando os resultados esperados;
2. “Medir” os resultados de aprendizagem de cada aluno
3. Ajudar a programar o volume de trabalho individual do aluno

Esta “nova” visão da avaliação exige uma adequação, por parte dos professores, que devem reflectir:

• O que é importante avaliar?
• Como se avalia?
• A avaliação feita permite aferir as competências que os estudantes devem desenvolver, neste conteúdo curricular?

Por outro lado, os alunos não podem alhear-se do processo de avaliação, devendo questionar-se:

• O que se espera que eu aprenda?
• Como vou ser avaliado?
• O volume de trabalho, das diferentes unidades curriculares é adequado, para a aprendizagem exigida?
• Os meios (literatura, bases de dados, orientação do docente, tipo de aulas) são adequados, face aos resultados de aprendizagem pretendidos?
• O tempo que estou disposto a investir é suficiente para desenvolver as competências pretendidas?
• Como vou planificar o trabalho de modo a optimizar a aprendizagem?

Concluindo, se quer os docentes quer os estudantes passarem a ver a avaliação como um meio facilitador da aprendizagem, podem emergir duas vantagens: a primeira é que se adquiram mais facilmente as competências desejadas, por se tornarem mais claras para os alunos, uma vez que são especificamente essas competências o objecto da avaliação; a segunda possibilitar que os resultados da avaliação reflictam mais fielmente a aprendizagem individual, no âmbito das competências definidas.



Dulce Esteves, Ph.D.
Professor and Researcher
Sports Science Department
University of Beira Interior
Covilhã - Portugal
Tel: +351 275 329 153; Fax: +351 275 320 695
Email: desteves@ubi.pt

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Tecnodoping ou evolução tecnológica ao serviço do Desporto?


A utilização dos fatos de banho de última geração por parte dos nadadores veio levantar, mais uma vez, a questão sobre se as vantagens dos mesmos não poderiam desvirtuar o resultado desportivo. Esta situação já tinha sido repetidamente discutida aquando da primeira grande inovação nos fatos utilizados pelos nadadores, iniciada no início deste século. Esta situação levou a Federação Internacional de Natação (FINA) a regular os fatos utilizados, sendo necessário que qualquer fato fosse aprovado pela FINA e estivesse a ser comercializado e à disposição de qualquer nadador.
Contudo, com a entrada no mercado da nova geração de fatos de banho, desenvolvidos basicamente à base do poliuretano, a discussão e a controvérsia voltou a sentir-se no meio desportivo. Nos Jogos Olímpicos de Pequim, 2008, atingiram-se números nunca antes previstos: 25 recordes mundiais, 66 recordes olímpicos e mais de 1000 recordes continentais e nacionais. Todavia, estes números não ficaram por aqui. No presente ano (que ainda não terminou), já foram estabelecidos 174 recordes do mundo, tendo, só nos Campeonatos Mundiais de Roma, sido batidos 43 recordes do mundo, atingindo-se aquilo que muitos apelidaram de “nova ordem na natação mundial”, marcada pela evolução tecnológica dos fatos de banho utilizados.
Esta evolução constante levou a que a discussão se centrasse em torno de questões relacionadas com a artificialidade destas tão elevadas prestações desportivas. Houve mesmo quem sugerisse que esta situação poderia ser comparada às questões do doping, apelidando estes casos de tecnodoping. Todavia, várias vozes se ergueram defendendo a evolução tecnológica no desporto. Um nadador utilizar um fato de banho de última geração não pode ser comparado à utilização de uma chuteira, especialmente desenvolvida para um jogador de futebol? Ou à utilização de uma bicicleta, desenvolvida com um material muito mais leve e aerodinâmico por parte de um ciclista? Ou à utilização de um carro de Fórmula 1, com uma carroçaria que permite maximizar a potência do motor? Efectivamente, não são questões de resposta simples. Por outro lado, os investimentos avultados que as marcas desportivas fizeram no desenvolvimento e produção destes novos fatos de banho também não devem ser descurados. Muitas destas empresas contribuíram para a dinamização da economia, para a inovação tecnológica, para a valorização da iniciativa empresarial e para a cooperação entre as empresas e as unidades/centros de investigação.
Tendo em consideração todos estes argumentos, a FINA decidiu alterar a regra que regulamenta a utilização dos fatos de banho. Desta forma, a partir de Janeiro de 2010, os fatos de banho para os homens não devem passar acima do umbigo ou abaixo do joelho, e para as mulheres, não devem cobrir o pescoço, nem devem prolongar-se além do ombro e abaixo do joelho. Por outro lado, todos os fatos de banho devem ser feitos de matérias têxteis (materiais como o poliuretano devem ser excluídos).
Todavia, várias pessoas afirmaram que a FINA tomou esta posição demasiado tarde, depois de “o mal já estar feito”. Desta forma, há quem afirme que alguns recordes dificilmente serão batidos e que, após um período em que o espectáculo foi a nota dominante na natação mundial, entraremos num período de alguma estabilização ou mesmo declínio mediático. Na minha opinião, esta perspectiva é demasiado pessimista. Não tenho dúvidas que os fatos contribuíram bastante para a melhoria acentuada da prestação desportiva. Porém, a melhoria dos métodos de treino e recuperação, a profissionalização dos técnicos e nadadores, a melhoria das condições de treino, a melhoria do conhecimento dos princípios biomecânicos que influenciam a prestação do nadador, bem como a melhoria das instalações desportivas (piscinas com mais profundidade, novos separadores de pistas, blocos de partida melhorados) foram também aspectos que contribuíram decisivamente para a enorme melhoria verificada na prestação desportiva. Neste sentido, é minha convicção que continuaremos a assistir ao estabelecimento de novos recordes mundiais, acreditando que, nas próximas grandes competições internacionais (Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos), esta situação ocorrerá. Não com tanta exuberância como temos assistido nestes últimos dois anos, acredito que a evolução da natação mundial não ficará estagnada.


Daniel Marinho
Docente da Universidade da Beira Interior, Departamento de Ciências do Desporto
Membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A UNIVERSIDADE E O DESPORTO: Exigências e Desafios


Como qualquer outra instituição, a Universidade tem de nortear-se por uma preocupação de eficiência no desenvolvimento das suas políticas e na busca de cumprir com os seus objectivos. Sendo um espaço de conhecimento, a Universidade tem de ser uma instituição de referência para a sociedade neste âmbito. Para isso não poderá esquecer que conhecimento não é só um conteúdo mas também um processo (metodologias, suas aplicações e implicações) que transforma quem o domina e utiliza, para além dos efeitos que pode construir e produzir.
Nem sempre este espírito tem norteado a vida Universitária. Momentos têm existido onde a pretexto de condicionamentos conjecturais ou estruturais, esta instituição tem sido privada de alguns destes pilares. A aparente eficiência de uma visão centrada no imediato leva à tentação de ficar por uma superficialidade que no curtíssimo prazo pode enganar alguns, mas que faz perder os benefícios que poderiam ser gerados (por isso é enganador), transformando sobretudo os ganhos que podiam ser obtidos em simples aparências, pois os processos que poderiam ter gerado as vantagens não foram cumpridos.
A semelhança entre o processo Desporto e o processo Universidade é aqui evidente. As medalhas daquele e os diplomas e carreira deste são precisamente o mesmo. É fácil comprar umas medalhas e/ou uns diplomas, o esforço necessário num caso e noutro nem é grande. Mas o que nos fica? Uns bocados de metal e de papel que para nada servem (bem, podem servir para durante algum tempo enganarem os incautos). Não tendo sido cumprido o processo transformador de quem o viveu, nada fica para além de pobres aparências.
A construção de um conhecimento inovador de ponta, o incentivo ao confronto de ideias, de conhecimento, a liberdade de se poder debater são algumas das funções exigidas (facultadas?) à Universidade e aos universitários, pois são o processo que os leva a amadurecerem e a evoluírem, ganhando capacidades e potencialidades que antes não possuíam, ficando capazes de realizar novas obras. Formando-se (transformando-se num sentido positivo) e não enformando-se (metendo-se numa forma) o que não passaria de ser mais do mesmo.
A liberdade tem aqui um papel crucial. É preciso ser-se livre para se poder inovar, educar, formar. Mas esta liberdade traz consigo um sentido de responsabilidade. É preciso ser-se responsável pela nossa liberdade, pelos nossos actos, pelas nossas opiniões, por nós e pelos que connosco partilham este caminho.
Nem sempre este espírito, que alguns classificam de altruísta (mas que não passa de estupidez pois faz-nos perder os benefícios que poderíamos obter de um outro modo), tem sido sentido ou vivido na Universidade. É bem mais cómodo fazer a viagem sozinho (uma estafa, mas enfim…) do que ter de partilhar, confrontar e debater conhecimento, ideias, vontades e até sonhos. É como no Desporto fazer musculação sem colocar os pesos nos alteres, é muito mais fácil de fazer os movimentos mas efeitos … nenhuns (como dizíamos estupidez), para além de perdermos tempo.
Há um sentido no ser Universitário que nos obriga a superar, a ter de assumir as nossas posições, as nossas convicções e que nos tem de distinguir dos demais. É preciso ser crítico, ter um conhecimento que nos permita assumir a licença que temos para… decidir!
É precisamente este poder de decisão que fará a diferença entre os bons e os outros. Os que decidem bem e os que não (que ou não decidem ou decidem mal). Os que assumem a sua licença (o sentido de ser licenciado) para decidir e os que preferem replicar um conjunto de técnicas ou receitas memorizadas. Os que têm sentido crítico e os que se limitarão a reproduzir o que lhes foi transmitido.
É este também o espírito do Desporto: a superação. É a competição constante em busca dos limites humanos, visando sempre alargá-los e descobrir que o impossível não existe, que é sempre possível fazer mais e melhor. Ao contrário do que alguns possam ainda pensar ou fazer crer, a expressão, “na desportiva” não significa (não deve significar) “à balda”, sem esforço ou empenho, mas pelo contrário um sentido de superação de se descobrir a si próprio, de conhecer os seus limites e de sentir novas emoções.
Mas também no Desporto há quem queira não ser mais do que um repetidor com um pouco mais de músculos do que os outros, não percebendo que nem o processo é eficiente por não fazer os campeões (qualquer nível, desde os iniciados ao mais alto escalão competitivo) procurados, nem será interessante ver um desportista igual aos outros só com mais alguns cavalos (alguns dirão burros) vapor de potência.
Este capital do Desporto, aquilo que faz dele um espectáculo, um meio de acção para a educação, para a saúde, para o lazer, etc. (um enorme mercado mundial que não podemos delapidar) tem de ser obrigatoriamente aproveitado pelos profissionais do Desporto, entre os quais os licenciados em Ciências do Desporto têm uma responsabilidade acrescida. Estes não podem ser iguais aos demais, nem sequer desejar repetir as receitas que porventura possam ter dado bons resultados outrora. Os licenciados em Ciências do Desporto estão obrigados a inovar, a criar o Desporto do futuro tendo por base um conhecimento de ponta e com um sentido crítico que lhes permita ter a coragem de assumir esta responsabilidade – o que não é mais do ser universitários (note-se que ser universitário não é o mesmo do que andar numa Universidade).É isto que o Mundo, a Universidade e o Desporto exigem de todos: o Melhor! Sempre! Só o Melhor tendo em conta a função que se desempenha e os objectivos que devemos cumprir!

Covilhã, 27 de Setembro de 2009
António Vicente