sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Tecnodoping ou evolução tecnológica ao serviço do Desporto?


A utilização dos fatos de banho de última geração por parte dos nadadores veio levantar, mais uma vez, a questão sobre se as vantagens dos mesmos não poderiam desvirtuar o resultado desportivo. Esta situação já tinha sido repetidamente discutida aquando da primeira grande inovação nos fatos utilizados pelos nadadores, iniciada no início deste século. Esta situação levou a Federação Internacional de Natação (FINA) a regular os fatos utilizados, sendo necessário que qualquer fato fosse aprovado pela FINA e estivesse a ser comercializado e à disposição de qualquer nadador.
Contudo, com a entrada no mercado da nova geração de fatos de banho, desenvolvidos basicamente à base do poliuretano, a discussão e a controvérsia voltou a sentir-se no meio desportivo. Nos Jogos Olímpicos de Pequim, 2008, atingiram-se números nunca antes previstos: 25 recordes mundiais, 66 recordes olímpicos e mais de 1000 recordes continentais e nacionais. Todavia, estes números não ficaram por aqui. No presente ano (que ainda não terminou), já foram estabelecidos 174 recordes do mundo, tendo, só nos Campeonatos Mundiais de Roma, sido batidos 43 recordes do mundo, atingindo-se aquilo que muitos apelidaram de “nova ordem na natação mundial”, marcada pela evolução tecnológica dos fatos de banho utilizados.
Esta evolução constante levou a que a discussão se centrasse em torno de questões relacionadas com a artificialidade destas tão elevadas prestações desportivas. Houve mesmo quem sugerisse que esta situação poderia ser comparada às questões do doping, apelidando estes casos de tecnodoping. Todavia, várias vozes se ergueram defendendo a evolução tecnológica no desporto. Um nadador utilizar um fato de banho de última geração não pode ser comparado à utilização de uma chuteira, especialmente desenvolvida para um jogador de futebol? Ou à utilização de uma bicicleta, desenvolvida com um material muito mais leve e aerodinâmico por parte de um ciclista? Ou à utilização de um carro de Fórmula 1, com uma carroçaria que permite maximizar a potência do motor? Efectivamente, não são questões de resposta simples. Por outro lado, os investimentos avultados que as marcas desportivas fizeram no desenvolvimento e produção destes novos fatos de banho também não devem ser descurados. Muitas destas empresas contribuíram para a dinamização da economia, para a inovação tecnológica, para a valorização da iniciativa empresarial e para a cooperação entre as empresas e as unidades/centros de investigação.
Tendo em consideração todos estes argumentos, a FINA decidiu alterar a regra que regulamenta a utilização dos fatos de banho. Desta forma, a partir de Janeiro de 2010, os fatos de banho para os homens não devem passar acima do umbigo ou abaixo do joelho, e para as mulheres, não devem cobrir o pescoço, nem devem prolongar-se além do ombro e abaixo do joelho. Por outro lado, todos os fatos de banho devem ser feitos de matérias têxteis (materiais como o poliuretano devem ser excluídos).
Todavia, várias pessoas afirmaram que a FINA tomou esta posição demasiado tarde, depois de “o mal já estar feito”. Desta forma, há quem afirme que alguns recordes dificilmente serão batidos e que, após um período em que o espectáculo foi a nota dominante na natação mundial, entraremos num período de alguma estabilização ou mesmo declínio mediático. Na minha opinião, esta perspectiva é demasiado pessimista. Não tenho dúvidas que os fatos contribuíram bastante para a melhoria acentuada da prestação desportiva. Porém, a melhoria dos métodos de treino e recuperação, a profissionalização dos técnicos e nadadores, a melhoria das condições de treino, a melhoria do conhecimento dos princípios biomecânicos que influenciam a prestação do nadador, bem como a melhoria das instalações desportivas (piscinas com mais profundidade, novos separadores de pistas, blocos de partida melhorados) foram também aspectos que contribuíram decisivamente para a enorme melhoria verificada na prestação desportiva. Neste sentido, é minha convicção que continuaremos a assistir ao estabelecimento de novos recordes mundiais, acreditando que, nas próximas grandes competições internacionais (Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos), esta situação ocorrerá. Não com tanta exuberância como temos assistido nestes últimos dois anos, acredito que a evolução da natação mundial não ficará estagnada.


Daniel Marinho
Docente da Universidade da Beira Interior, Departamento de Ciências do Desporto
Membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano

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