domingo, 28 de outubro de 2012

Tecnodoping ou evolução tecnológica ao serviço do Desporto? (2)


Prof. Dr. Daniel Marinho





 Gostaria de começar este meu artigo de opinião, por saudar e dar os meus parabéns aos estudantes do Departamento de Ciências do Desporto por mais esta iniciativa. É com muito gosto que verifico o reinício deste projeto, que se espera contínuo e frutífero, não só para quem escreve os artigos, mas também para quem os lê, podendo ser um espaço de discussão e argumentação sobre temas relacionados com o fenómeno desportivo.

Face ao convite do Núcleo de Estudantes de Ciências do Desporto, com a condição de que o artigo estivesse relacionado com alguma modalidade ou evento desportivo, optei por abordar novamente o tema do Tecnodoping, reacendendo a discussão sobre a evolução tecnológica dos equipamentos desportivos e, até que ponto, estes podem adulterar os resultados desportivos. Esta discussão tem sido particularmente acentuada na Natação Pura Desportiva, pela (r)evolução e visibilidade que os novos fatos de alta tecnologia vieram trazer à prestação dos nadadores. Recordo que, em 2008, nos Jogos Olímpicos de Pequim, foram estabelecidos 25 recordes mundiais e, em 2009, nos Campeonatos do Mundo de Roma, foram estabelecidos 43 novas marcas mundiais, números até aqui impensáveis. Esta situação levou a FINA, em Janeiro de 2010, a alterar a regra que regulamenta a utilização dos fatos de banho, tendo condicionado quer o tamanho dos mesmos (para os homens não devem passar acima do umbigo ou abaixo do joelho, e para as mulheres não devem cobrir o pescoço, nem devem prolongar-se além do ombro e abaixo do joelho), quer os materiais de que são feitos (todos os fatos de banho devem ser feitos de matérias têxteis, sendo que materiais como o poliuretano devem ser excluídos). Esta foi uma decisão muito controversa, argumentando-se, por um lado, que estes fatos de alta tecnologia adulteravam o resultado desportivo (havendo mesmo a utilização da expressão “tecnodoping”), e, por outro, referindo que o desenvolvimento e utilização destes fatos não seria mais do que a evolução tecnológica ao serviço do desporto. Como anteriormente transmiti, apesar de compreender os argumentos que suportam cada uma das perspetivas em discussão, sempre me pareceu algo exagerado querer comparar a utilização destes fatos com o uso de substâncias dopantes, como a expressão “tecnodoping” pode fazer querer. Por um lado, nunca teremos nadadores a competirem em condições de igualdade, pois diferentes nadadores têm diferentes características morfológicas, diferentes condições de treino, diferentes meios de preparação, .... Por outro, sempre me pareceu difícil não fazer a analogia com o desenvolvimento tecnológico noutras modalidades (por exemplo, bicicletas no ciclismo, chuteiras no futebol, carroçaria dos automóveis na Fórmula 1), sendo inclusive de realçar e valorizar a iniciativa empresarial e a cooperação entre as empresas e as unidades/centros de investigação no desenvolvimento de todos estes produtos. Após a aplicação das novas regras em Janeiro de 2010, assistiu-se, tal como argumentado por muitos, a uma estagnação dos resultados desportivos, havendo mesmo quem denominasse os tempos estabelecidos pelos nadadores como “antes” e “depois” dos fatos de poliuretano. Contudo, embora sem o mediatismo de outros períodos em que os fatos de alta tecnologia eram permitidos, a natação continuou a evoluir, não só ao nível dos resultados, mas também, ironicamente, ao nível do desenvolvimento tecnológico. Ainda em 2010, Ryan Lochte, durante os Campeonatos do Mundo de Piscina Curta, tornou-se o primeiro nadador a estabelecer novos recordes mundiais em provas individuais, mostrando que os tempos obtidos com a utilização dos fatos de alta tecnologia não eram insuperáveis. No ano seguinte, durante os Campeonatos do Mundo, em Shangai, o mesmo nadador estabeleceu um novo recorde do mundo nos 200 m Estilos, acompanhado por Sun Yang, que estabeleceu a melhor marca mundial nos 1500 m Livres. E, no presente ano, durante os Jogos Olímpicos de Londres, foram estabelecidos 9 recordes do mundo, valor até acima dos 6 recordes mundiais estabelecidos nos Jogos Olímpicos de Atenas, o que parece demonstrar que a natação e a evolução desportiva dos nadadores está a voltar à normalidade, com outros fatores (como os métodos de treino e recuperação, e o conhecimento cada vez mais preciso dos fatores que influenciam o rendimento dos nadadores) a desempenharem um importante papel. Relativamente ao desenvolvimento tecnológico, a par das “novas” piscinas (com mais profundidade, com renovados blocos de partida e separadores de pista cada vez mais eficientes), assiste-se, nas mesmas empresas que desenvolverem os fatos de alta tecnologia, ao desenvolvimento de outros equipamentos, como as toucas e os óculos, com a utilização de procedimentos para melhorar a performance destes equipamentos em tudo semelhantes ao que ocorreu com os fatos de alto tecnologia. Embora estejamos convictos que dificilmente se atingirá uma evolução tecnológica com repercussões ao nível desportivo como a que assistimos com os tão badalados fatos, a aplicação de todo o conhecimento obtido com os fatos a outros equipamentos faz-nos ver que a indústria e as empresas que comercializam este tipo de equipamentos estão atentas e preparadas para intervir no campo desportivo. Neste sentido, podemos questionar-nos: será que num futuro próximo teremos novas alterações às regras, no que diz respeito aos equipamentos desportivos (por exemplo, touca e óculos), tal como aconteceu com os fatos?

 Daniel A. Marinho

Universidade da Beira Interior. Departamento de Ciências do Desporto.
Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano.

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