Professor Dr. Bruno Travassos
Em desportos coletivos, os jogadores, dentro da estrutura colectiva da
equipa, exploram dinamicamente o contexto no sentido de decidir quais as suas
possibilidades de ação. Alguma investigação tem demonstrado que as melhores
equipas em diferentes competições são as que conseguem obter longas sequências
de passes, para obtenção de golo ou para manutenção da posse de bola.
Este processo relacional é baseado na capacidade que os indivíduos têm em
detectar as suas possibilidades de acção (“affordances”),
i.e., em escolher o melhor momento para passar a bola de acordo com o padrão
dinâmico do posicionamento dos diferentes colegas e adversários. Deste modo, o
portador da bola tem que percepcionar o espaço disponível entre os seus adversários,
as distâncias entre eles, a velocidade com que se deslocam, assim como a
direcção dos seus deslocamentos.
O processo adaptativo para o surgimento do passe é, deste modo função da
identificação de “janelas de oportunidade” espácio-temporais. Esta relação
exige que os jogadores consigam detectar a informação relevante do jogo
(“estarem afinados”) e consigam que as suas acções sejam adaptadas às
exigências que o contexto lhes coloca (“estarem calibrados”). A percepção de
uma possibilidade para a realização do passe é, deste modo, influenciada pela
identificação de variações nas relações estabelecidas com colegas e
adversários. Tendo por base a
relevância que o passe parece assumir para o desempenho das equipas, desenvolvemos
um estudo onde procurámos identificar quais são as variáveis que influenciam o
comportamento dos jogadores no surgimento de um passe. Para isso foram
seleccionados 21 passes que ocorreram para o interior da estrutura defensiva, durante
uma situação de treino no futsal.
Foram analisadas as distâncias entre o portador da bola e os dois defesas
mais próximos, bem como as distâncias entre os dois defesas, desde o instante
em que o jogador que irá realizar o passe recebe a bola, até ao instante em
toca a bola para realizar o passe. Verificámos que para os 21 passes, existe
uma convergência nas distâncias analisadas no momento da realização do passe.
Este resultado sugere que o passe tende a surgir face à convergência das relações
espácio-temporais entre jogadores para uma janela de oportunidade estável e não
porque está definido numa circulação previamente treinada.
Os resultados obtidos demonstram que
a decisão de passar em desportos colectivos é constrangida pelos padrões
ambientais que surgem no decorrer do jogo através de “janelas de oportunidades”.
Por exemplo, quando observamos a equipa do Barcelona a jogar ou a treinar,
verificamos a procura constante destas “janelas de oportunidades”
espácio-temporais quer através da alteração do posicionamento dos jogadores
quer da variação da velocidade da bola. De uma forma muito simplificada, o
apelidado “tike-taka” tem por base a procura constante de janelas
espácio-temporais que permitam a circulação e progressão da bola no espaço de
jogo. Para isso, é fundamental um comportamento pró-activo na exploração desses
espaços por parte do portador da bola, mas também dos companheiros de equipa
que procuram deslocar-se para um espaço que permita o surgimento da “janela de
oportunidade” para o passe (vejam por exemplo, http://www.youtube.com/watch?v=lGuaQ1khn2k). A deteção das relações espácio-temporais entre
colegas e adversários (“estarem afinados”), bem como a
adaptação do passe (velocidade, direcção, precisão) às janelas de oportunidades
percepcionadas são condições fundamentais do jogo.
No entanto, estes comportamentos não acontecem de forma espontânea. Para
que eles aconteçam é necessário utilizar os exercícios que potenciem os
comportamentos que se pretendem observar em campo. Para isso, mais do que
repetir de forma descontextualizada ações de coordenação coletiva, devem
utilizar-se exercícios que mantenham as mesmas informações e ações tal como
acontece em jogo (ver e comparar com o vídeo anterior, http://www.youtube.com/watch?v=3RNfaIW5k1g).
O processo de treino deverá ter em consideração esta relação entre
jogador-ambiente no sentido de promover a identificação de “janelas de
oportunidades” próprias para cada jogador e situação. A utilização de jogos
reduzidos que vão ao encontro do desempenho pretendido em jogo é fundamental. Nos
jogos reduzidos, para potenciar as relações espácio-temporais poderão, numa
fase inicial, utilizar-se situações de inferioridade/superioridade numérica,
uma vez que permitem mais tempo e espaço para decidir dando mais opções a quem
ataca. Em termos defensivos obriga a um maior equilíbrio na ocupação espacial,
pois o espaço a ocupar e o posicionamento defensivo terá que ter em
consideração as possibilidades de acção dos atacantes para alcançar o objectivo
do jogo. Para potenciar a “afinação” perceptiva e a “calibração” dos jogadores
é fundamental uma definição clara dos objectivos do jogo que direccione a sua
atenção para a informação do jogo, i.e., constante variação das distâncias
entre atacantes e defesas, deslocamentos, imprevisibilidade e opções de
escolha.
Bruno Travassos
Universidade da Beira Interior, Departamento de
Ciências do Desporto
Centro de Investigação em Desporto, Saúde e
Desenvolvimento Humano
Sem comentários:
Enviar um comentário